segunda-feira, 23 de maio de 2011

História, comunicação e cultura - Campo x cidade nas músicas sertanejas

Um dos rítimos musicais mais ouvidos atualmente, não só em pequenas regiões, mas em grandes centros, é a música sertaneja, mais particularmente o chamado sertanejo universitário. Muitas duplas, trios e cantores solo surgem a cada ano em vários pontos do Brasil mostrando as suas músicas, lotando casas de espetáculos, rodeios e festas diversas, gravando CD's e DVD's e conquistando admiradores por quase todos os lugares.

É sabido que a música sertaneja, já muito antes deste novo boom, mostrou e mostra várias facetas da vida no campo e na cidade, desde a simplicidade do campo e das declarações de amor - seja a uma amada, seja a parentes ou a outros objetos -, até a comicidade presente em situações específicas e o duplo sentido de algumas letras. 

Isto se justifica muito por conta das modificações ocorridas ao longo dos tempos na sociedade, como o êxodo rural e uma nova concepção de modernidade e de progresso, residida justamente nas áreas urbanas. 

Porém, um outro tema recorrente nas canções é a dualidade e a comparação feita entre campo e cidade que chega, em casos especiais, até a uma certa "rivalidade", como mostra o artigo Música SER-taneja?, escrito por Eurides de Souza Santos (1999, p. 05, grifos nossos):

"(...) Produzida por compositores interioranos ou não, ela reúne em suas características melódicas, rítmicas e harmônicas elementos peculiares às músicas das várias culturas interioranas do Brasil, mantendo inclusive a tradição do canto em duplas. Mas o que faz esta música se estabelecer e dominar grande parte do mercado da música popular atual é a sua alta produção configurada em estúdios de avançada tecnologia sonora, aliada a intensa ação da mídia no veicular deste estilo por todo território brasileiro, inclusive no sertão. Ela já não traz a comicidade como elemento chamativo, no entanto retoma de certa forma os sutis ideologismos românticos que celebram a suposta natureza intocada do campo e a qualidade de homem bom e natural do sertanejo em contraposição à paisagem de concreto das cidades como responsável pelo comportamento frio e desumano do homem urbano."

Utilizando-se destes referenciais, o post de hoje vai mostrar algumas músicas que refletem esta "rivalidade" entre as vidas no campo e na zona urbana. Primeiramente, é mostrada a canção Cavalo Enxuto, composta por Tião Carreiro, gravada primeiramente por ele e seu parceiro Pardinho, e regravada por vários artistas do segmento dentre eles as duplas Victor & Léo e Chitãozinho & Xororó, com a participação de Zé Henrique & Gabriel. Esta última regravação aparece neste vídeo do DVD Clássicos Sertanejos exibido a seguir.



A letra desta música apresenta três personagens: dois fazendeiros, um rico que só se locomove com carros importados e um outro que conserva sua tropa e seu cavalo ensinado, além da moça desejada pelos dois homens. Ela sugere que o cavalo e o carro importado apostem uma corrida e, quem chegasse primeiro ao portão de sua fazenda, iria conquistar o coração da donzela.

Os dois concordam e começam a chamada "aposta da paixão". O cavalo passa pelos atalhos e o carro, pela estrada de asfalto e por outra cheia de cancelas, o que atrasou a sua viagem. O animal vence a disputa e o fazendeiro mais pobre fica com a menina. Mostra-se, então, a vitória da simplicidade, da Natureza, do campo sobre o progresso desenfreado que invade o espaço rural.

No fim da música, o compositor alerta que "O progresso é coisa boa / Reconheço e não discuto / Mas aqui no meu sertão / Meu cavalo é absoluto / Foi Deus e a natureza / Que criou este produto", sem deixar de elogiar o progresso, mas valorizando ainda suas origens e seus instrumentos de trabalho - no caso desta música, o cavalo enxuto que lhe concedeu o amor tão esperado daquela moça.

Outra música sertaneja que mostra, ainda que de maneira menos explícita, esta comparação entre os homens do campo e da cidade é a canção O Granfino e o Caipira, composta por Victor Chaves, integrante da dupla Victor & Léo, e interpretada pelos próprios cantores. Abaixo, está um vídeo muito interessante que utiliza a música como trilha sonora de uma animação em que os personagens são tipicamente representados.



Nesta música, também há uma disputa entre um homem da cidade que acaba de chegar ao sertão e um caipira que está interessado na mesma moça do que ele. Neste caso, porém, a menina não chega a uma decisão final sobre qual dos dois seria o seu namorado e desiste da competição, assim como o caipira que até aconselha o granfino a fazer o mesmo. Mais uma vez, nesta letra, há a desvalorização do lucro e da riqueza como meios de conquistar o sexo oposto ("Ele acha que o dinheiro / Compra o amor / Mas se fosse fácil assim / A moça nem olhava / Para mim..."), mas não há uma sobrevalorização do caipira, até porque não há vencedor nesta disputa em especial.

O que se pode concluir, em relação particularmente a apresentação destas músicas, é que a dualidade campo-cidade permite uma competição em situações específicas, como a conquista de uma pessoa do sexo oposto, que, numa análise mais aprofundada, provoca uma reflexão sobre outros valores, muitas vezes esquecidos pela sociedade.

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