sexta-feira, 1 de abril de 2011

Dimensões da memória como meios de conservação e reflexão - Caso Bolsonaro

Muitas vezes, ouve-se dizer de que certa pessoa tem "memória de elefante" ou que o Brasil não possui memória suficiente para valorizar seus artistas e sua própria História. Mas para-se para pensar a respeito no que se refere, de fato, ao ato de lembrar, de rememorar algo ou alguém?  Guarniello, em seu texto Memória coletiva e história científica*, descreve duas dimensões da memória: a primeira como fundamento da tradição de uma cultura e conservação dos sentidos e das identidades, e a segunda como uma ação reflexiva, uma inquisição proposta ao tempo. E como pode-se relacionar estes conceitos à esfera comunicacional?

Na última segunda feira, dia 28 de março, o programa jornalístico-humorístico CQC (Custe o que Custar), da TV Bandeirantes, apresentou um de seus quadros chamado "O Povo Quer Saber", que tem a função de apresentar opiniões de pessoas famosas (artistas, empresários, esportistas, políticos, entre outros) sobre variados assuntos, inseridos no discurso pela participação de populares.

O entrevistado do dia era o militar e deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido pelo seu filho Carlos ser o mais jovem vereador eleito da história do Brasil (com 17 anos, em 2000), por suas críticas ao comunismo e as esquerdas, alem de variadas declarações polêmicas a respeito de vários assuntos. Entre elas, no ano de 2000, numa entrevista concedida à revista Istoé Gente, ele se declara defensor da tortura e da pena de morte.

Em 2011, mais uma polêmica se desenhou (e ainda se desenha) na trajetória política de Bolsonaro. No quadro já citado do programa semanal, o deputado respondeu a variadas perguntas, como: "Quem é seu guru na política?", "O que você acha da Dilma?", "Está com saudades do Lula?", "Do que você tem mais saudades da época da ditadura?", "Continua achando que o FHC deveria ser fuzilado?", "O que você faria se tivesse um filho gay?", entre outras questões polêmicas que pdoem ser vistas no vídeo a seguir. 



Porém, a última questão foi a mais comentada pelos populares e por vários portais de notícias, como o G1 e o ODia. A cantora Preta Gil fez uma pergunta ao deputado: "Se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?" Bolsonaro respondeu: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu.”.


A cantora, assim que soube da declaração (principalmente pela repercussão no Twitter e pelos mais de 100 mil acessos do vídeo no Youtube), prometeu que vai processar o deputado, segundo ela, não só pela sua imagem, mas pela a de todos os negros e gays do Brasil. O apresentador Marcelo Tas, no blog oficial do programa, se surpreendeu com a grande polêmica que o quadro suscitou, já que este foi mostrado no encerramento do CQC, e também classificou como inadmissível a resposta de Bolsonaro à Preta Gil.

No dia seguinte, Bolsonaro protocolou um requerimento para que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados o convide para prestar esclarecimentos sobre as declarações, algo que já foi feito no próprio site do deputado e no Plenário da Câmara, justificando ter se confundido acerca da última pergunta.

E o que esse incidente, ainda em curso, pode estar relacionado às dimensões da memória? No caso da memória como conservação, Bolsonaro evidencia uma tradição militar, mais conservadora e, por vezes, de preconceitos e indiferenças com segmentos sociais. No caso da memória como uma ação reflexiva, basta acompanhar a repercussão das declarações nas mídias sociais: embora algumas pessoas concordem com ele, em relação à disponibilidade ou não de cotas, muitos protestam contra as falas de Bolsonaro e, assim, a linha comunicacional perpassa e modifica a história.

*GUARINELO, Norberto L. Memória coletiva e história científica. In: Revista Brasileira de História,  n.28. p. 180-93 

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