segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Relações Públicas e responsabilidade social - Trote solidário, arma a favor da cidadania

Para muitos estudantes, o ano letivo já começou, com a apresentação de novas disciplinas, novos professores, trabalhos a serem cumpridos, o reencontro com os amigos e com as corriqueiras horas de estudo e de prática. Porém, este ano de 2011 será marcante para muitos jovens brasileiros: depois de muitos simulados, muitas horas de estudo e outras de provas, de sacrifícios e de lutas, a tão sonhada aprovação no vestibular de uma faculdade ou universidade (pública ou particular) é realidade.

Muita festa acontece, muitas esperanças e oportunidades se abrem. No caso da autora que vos fala, passar no vestibular da UNESP para cursar Relações Públicas foi e será um momento inesquecível na minha vida e de minha família. Seja na 1ª lista, nas outras chamadas ou no famoso "tele-bixo", a emoção de ser aprovado é a mesma. Entretanto, há sempre um pequeno receio por parte de pais e dos novos universitários: como será a recepção dos calouros, dos chamados "bixos"? Será que haverá os chamados trotes violentos por parte dos veteranos?

De fato, em quase todo começo de ano, sempre há uma notícia envolvendo recepção de calouros com trotes exagerados, humilhantes e que podem levar a sequelas físicas (como no recente caso de um menino de 14 anos que sofreu queimaduras em trote violento numa escola técnica paulista) e até ao óbito, como ocorreu em 1999 com um calouro da Universidade de São Paulo, que se afogou na piscina do clube da Faculdade de Medicina.

Mas como explicar a violência de certas práticas aplicadas aos calouros? Andryelle Vanessa Camilo, em seu artigo Do trote universitário como atentado aos direitos da personalidade do acadêmico, Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010, relata a origem da prática do trote (2010, p. 01):

"O trote é um rito de iniciação que remonta à Idade Média e designa os atos de zombaria e a imposição de tarefas a que veteranos sujeitam calouros. Trata-se de ritual de iniciação às avessas, porque perpetra a violência e o desrespeito às leis. O trote teve início na Europa e lá foi marcado pela violência desmedida. No Brasil, foi introduzido no séc. XVIII, por influência de estudantes da Universidade de Coimbra. Em 1831, em Recife, ocorreu a primeira morte oriunda de trote, seguida de várias outras tragédias. Em decorrência disso, o trote deixou de ser um ritual de integração para se tornar sinônimo de humilhação e sofrimento."

Entre cenas indesejáveis e humilhantes, um "trote do bem" começa a surgir no final do século XX como alternativa aos sofrimentos e à violência: o trote solidário, que tem por objetivo inserir o novo universitário no ambiente em que permanecerá pelos próximos anos de sua vida, além de suscitar, a quem participa, uma oportunidade de protagonizar uma ação de responsabilidade social.

Neste ano de 2011, a Comissão de Recepção dos Calouros de Relações Públicas da UNESP Bauru organiza o Projeto Acordi (Ação Consciente de Responsabilidade e Integração) que visa arrecadar, durante o período de matrículas e nas primeiras semanas de aula, itens necessários a duas instituições bauruenses: Fundação Inácio de Loyola - Família Nazaré (doação de absorvente, creme para cabelo e sabonetes) e RASC - Recuperação e Assistência Cristã (doação de chinelos, com números de 31 a 41, além de bermudas). Numa data posterior, ainda não definida, calouros e veteranos irão entregar as doações às entidades, além de promoverem atividades recreativas, sociais e culturais. O trote solidário é apoiado pela FAAC (Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação), pela Prefeitura Municipal de Bauru, pelo Fundo Social de Solidariedade e pela Secretaria do Bem Estar Social (SEBES)

De acordo com Thiago Rela Siqueira, aluno do 2º ano de Relações Públicas da UNESP e integrante da Comissão, em entrevista feita por e-mail, o projeto ACORDI surgiu a partir de conversas entre calouros e veteranos para desmistificar o estereótipo (como visto no começo) de que todo trote é violento. Nas palavras de Siqueira:  

"A idéia do Projeto surgiu, na verdade, por uma conversa com um veterano do 3º ano (O Traíra). A preocupação era tirar um pouco o estereótipo de que todo trote é violento e mostrar para os pais, bixos e sociedade que alunos de universidade pública se preocupam TAMBÉM em ajudar a comunidade. Não só isso, é uma forma também de você aproveitar uma situação para fazer o bem. Os novos alunos e pais estão todos orgulhosos pela conquista de entrar na faculdade e, a partir disso, podemos incentivar a prática de uma atitude solidária."

Elaborada a ideia, ainda segundo o aluno, a Comissão de Recepção (formada, além do Thiago, por Bárbara Quagliatto Goes, Bruna Mantuan, Fernando Merlim, Gabriel Barbosa Paes, Milena Shoji e Polianna Negri Manchon) entrou em contato com a Secretaria do Bem Estar Social, que entregou uma lista com o nome de algumas instituições, sendo duas (já citadas) as escolhidas. Mesmo ainda não ocorrendo a entrega das doações, a repercussão deste trote solidário foi quase que imediata, graças à sua divulgação nos principais sites de notícia da cidade de Bauru, como o da Prefeitura Municipal, dos jornais Bom Dia e Jornal da Cidade, além da rádio 94 Fm.

Isto mostra a importância do projeto para a formação acadêmica (organização de ações comunitárias) e moral de veteranos e calouros, além do aprendizado proveniente de uma experiência solidária. "Em relação ao aprendizado, nem preciso dizer que está sendo IMENSO. Participar da Comissão dos Bixos já é um aprendizado muito grande, mas normalmente o foco é Rpinga [festa tradicional organizada pelo curso] e Recepção. Todo o trabalho que já dá, ALIADO à organização de um Projeto Social colabora de uma maneira muito intensa no aprendizado. Não apenas profissional, mas talvez principalmente pessoal. É a certeza que você tem que, mesmo sendo um aluno que cursou um ano de faculdade, você é capaz de mobilizar muita gente. Só é necessário iniciativa, força de vontade e uma idéia.", completa Siqueira.

Aliás, os calouros que participaram da ação já reconhecem o projeto como uma grande oportunidade de compartilhar a felicidade da aprovação com aqueles que mais precisam, como relata a caloura de Relações Públicas Lais Maria Fermino de Souza, em entrevista ao RPitacos por e-mail.

"Passar na faculdade dos seus sonhos não tem preço! A partir de tantas novidades, com certeza criaremos o sentimento de união e estaremos dispostos a ajudar e receber ajuda. Por que não estender essa ajuda a outras pessoas que realmente precisam? É isso o que o Projeto Acordi – Ação Consciente de Responsabilidade e Integração, com o apoio da UNESP e também pela Secretaria do Bem-Estar Social da Prefeitura Municipal da Cidade de Bauru faz! Foi MUITO  legal saber que há a preocupação dos meus veteranos de RP em realizar essa ação! O dever cívico de cada um, explorado em trotes solidários, arrecadando itens e indo pessoalmente às instituições é uma bonita atitude de dar a nós, bixos e aos interessados, a oportunidade de promover a solidariedade e compartilhar um pouco de nossa felicidade! PARABÉNS AOS  SEUS IDEALIZADORES E ADEPTOS!"

É necessário salientar que esta atitude solidária não pode se restringir apenas ao "período de trotes", mas que a prática da responsabilidade social seja uma constante no cotidiano pessoal e profissional de calouros e veteranos, tanto que a própria Comissão acredita que o projeto terá continuidade nos próximos anos.

Para encerrar este post, um vídeo de março de 2009 mostrando um pouco do trote não-violento realizado na UNESP de Bauru e de como os veteranos ajudam os calouros perdidos nesta fase tão importante da vida: a passagem do ensino médio (ou do cursinho) para a vida universitária. Um pequeno detalhe está no fim do vídeo, nos seus últimos segundos, em que aparece a autora deste blog totalmente pintada em seu trote.

Um comentário:

  1. Amei a idéia de um post especial sobre este assunto!

    Realmente, a iniciativa foi inovadora e está repercutindo muitíssimo bem...

    A comissão está de parabéns e tenho a certeza de que a partir daí muitas outras boas idéias surgirão! =D

    Beijos*

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