segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Pós-graduação stricto sensu em Relações Públicas: demanda urgente

Por Ewerton Luis Faverzani Figueiredo e Manoel Marcondes Machado Neto (*)

No Brasil, hoje, as Relações Públicas (RP) se destacam tanto como prática profissional e empresarial como acadêmica. Não podemos mais pensar em uma atuação consequente na área sem aliar conhecimento científico às experiências práticas. O mercado exige aprendizado continuado e capacitação permanente, não só na área específica, como também nos campos “matrizes” de RP: Sociologia, Psicologia, Filosofia, Economia, Administração, Marketing, Sistemas, entre outros.

RP: história recente. Nos Estados Unidos e no Brasil

Com o surgimento da atividade de relações públicas em 1906, a partir do pioneiro trabalho do ex-jornalista Ivy Leei no assessoramento de imprensa com vistas à melhoria da imagem do magnata John Rockefeller diante da opinião pública estadunidense, tornando-se de “empresário insensível e ganancioso” um dos chamados robber barons - em um “grande investidor e incentivador da Filantropia”, a então nova profissão foi ganhando formato bem diferenciado. A propósito, o também milionário Andrew Carnegie viria a ser, depois, outro daqueles barões a ter mudada sua imagem pública a partir de ações de relações públicas.

No Brasil a profissão tem início em 1914, a partir do trabalho do engenheiro Eduardo Pinheiro Lobo, relações-públicas da The São Paulo Tramway Light and Power Company Limited, depois apenas Light Serviços de Eletricidade e, atualmente, Eletropaulo. Pinheiro Lobo é considerado o patrono da profissão no país.

Quatro décadas se passaram até que a atividade fosse oficializada no país. Em 1951, surge o primeiro departamento específico de Relações Públicas em uma empresa brasileira, a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). E em 1954 é fundada a ABRP (Associação Brasileira de Relações Públicas), mais tradicional entidade do setor e principal esteio para a criação, em 1969, do Sistema Conferp-Conrerp, amparando a profissão regulamentada desde 1967ii, sob um código de conduta ética específico. Edson Schettine de Aguiar, presidente do Conferp na gestão 1992-1995, sobre esta fase, relata Maria Stella Thomazi, que exerceu com grande brilho todas as funções diretivas da Associação Brasileira de Relações Públicas, em sua dissertação de mestrado, ao analisar a questão “Administração VERSUS Comunicação Social”, lembra que, até 1968, os profissionais de relações públicas registravam-se no Conselho Regional de Técnicos de Administração (CRTA), nos termos da Lei 4.769 de 09/09/1965iii.

Na academia, os cursos de Relações Públicas têm seu início no mesmo ano de 1967, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como uma habilitação dos recém-criados cursos de Comunicação Social.iv Posteriormente difunde-se o ensino superior de Relações Públicas por todo o país. Hoje, há no Brasil quase uma centena de cursos de bacharelado na área.

Necessidade de aprimoramento surge logo, no campo

Logo ao ingressar no campo de trabalho, os novos profissionais sentem a necessidade de aprimorar seus conhecimentos a fim de, além de atualizar suas habilidades estratégicas de implementação de projetos e planos de Relações Públicas, agregar mais conhecimentos de Marketing, de Economia Política e de Direito, visando sua integração ao pensamento complexo e global hoje presente nas organizações.

Nesse contexto, muitos procuram capacitação em cursos de especialização em comunicação empresarial ou “corporativa”, ou de Administração, de Marketing e Relações Internacionais, entre outros. Aqueles que visam uma carreira acadêmica recorrem a programas de mestrado ou doutorado em Ciências da Comunicação, ou em outras áreas do conhecimento.

Falta, claramente, o stricto sensu na área de Relações Públicas. E não só para atender à necessária educação continuada dos próprios relações-públicas de formação, mas, também, para prover conhecimentos técnicos a outros bacharéis interessados na visão diferenciada de Relações Públicas sobre os negócios.

Área, no CNPq, é uma só: Relações Públicas e Propaganda - ambas sub-áreas carentes de aprofundamento científico

Os programas de mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, em sua maioria, cobrem as áreas de Jornalismo, de Rádio e TV, Cinema, Semiótica e de Cultura. O enfoque é específico em criação, mediação e recepção, deixando a desejar em termos de conteúdos voltados a temas candentes como mídia comercial, tecnologias de comunicação aplicadas a negócios e comunicação de marketing.

Hoje, existem no país menos de três dezenas de cursos de pós-graduação stricto sensu - mestrado e doutorado - na área de Comunicação Social. É pouco. E urge, portanto, a criação de cursos de Mestrado e Doutorado específicos em Relações Públicas - o que se justifica pela avalancha atual de demandas pela atividade e seus perfis especializados. As maiores empresas de Relações Públicas, tais como Edelman Worldwide, Hill and Knowlton, Burson-Marsteller e Porter Novelli, estão no país e não raro “importam” profissionais, porque aqui o mercado viciou-se na prática “torta” de contratar jornalistas de redação para exercer as chamadas “relações com a imprensa“ – algo impensável nos países mais desenvolvidos, onde tal prática é tida como típico conflito de interesses - algo imoral, antiético e ilegal.

Apesar de tudo, o Brasil notabiliza-se pela qualidade de seus pesquisadores na área. Na Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - e, mais recentemente, na Abrapcorp - Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas -, produz-se conhecimento que se difunde em publicações especializadas. O Brasil é tido como um país relevante em termos de pensamento na área de Relações Públicas. Só para citar uma aproximação recente, temos James E. Grunig, um dos seus maiores pesquisadores, vem trabalhando em parceria com pesquisadores brasileiros. Seu livro em conjunto com Maria Aparecida Ferrari e Fábio França, intitulada “Relações Públicas: teoria, conceito e relacionamentos”, de 2009, é produto desta colaboração.v

O país não fica fora do seleto círculo de pesquisadores reconhecidos internacionalmente na área com autores como Cândido Teobaldo de Souza Andrade e seus “Fundamentos psicossociológicos das Relações Públicas”; Fábio França, com o estudo sobre a “Conceituação lógica dos públicos”; Cicilia Krohling Peruzzo, com o seu pioneiro “Relações públicas no modo de produção capitalista” e Roberto Porto Simões com os títulos: “Relações Públicas: função Política”, “Relações Públicas e Micropolítica” e “Informação, inteligência e utopia: contribuição para uma teoria de relações públicas”. A professora titular da matéria, na USP, Margarida Kunsch  - cujas obras, a começar pelo paradigmático “Planejamento de relações públicas na comunicação integrada”- pontifica em todos os concursos públicos brasileiros e é referência internacional no campo.

Pode citar-se, também, Luiz Beltrão, que contribui com seus estudos sobre “Folkcomunicação”, José Benedito Pinhovi e Roberto Fonseca Vieiravii - autores de consolidada produção em Relações Públicas - além de novos pesquisadores ávidos pelo desenvolvimento das pesquisas em Relações Públicas, como Daiana Stasiak com seus estudos em Relações Públicas Digitais, com o conceito de “webRP” e Marcello Chamusca, com o conceito de RP aplicado à Realidade Virtual Aumentada a partir do uso das tecnologias móveis de comunicação.

Tais exemplos - que não esgotam a produção - são suficientes para mostrar a dimensão que o campo de estudos e pesquisas na área pode alcançar. O que não é pouco, ao constatarmos a ainda curta “vida acadêmica” que possuem as Relações Públicas frente a outros campos mais longevos.

A partir desta análise, inúmeros profissionais e estudiosos da área já percebem a necessidade premente da implantação de programas de mestrado e doutorado específicos em Relações Públicas, não se limitando esta demanda somente ao Brasil, mas, também, a toda a América Latina. Mãos à obra, pois.

(*) Autores
Ewerton Luis Faverzani Figueiredo é relações-públicas graduado pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM). Sócio-fundador e conselheiro do IPMS - Instituto de Pesquisa em
Memória Social (www.memoriasocial.com.br). Conrerp/4a. Região, reg. 3270.

Manoel Marcondes Machado Neto é relações-públicas graduado pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Ciências da Comunicação (USP) e secretário-geral do
Conrerp/1a. Região (2010-12). Edita o site www.rrpp.com.br. Conrerp RJ/1a. Região, reg.
3474.

iIvy Lee fora jornalista no The New York Times e percebeu que, ao lado da propaganda (paga, e remunerada às agências por percentual) ainda muito tosca e apenas vendedora, teria lugar uma outra forma de relacionamento com a opinião pública “via” imprensa. Exemplarmente, abandonou a redação - hoje, nos EUA e na Europa o assessoramento de imprensa e o exercício do jornalismo são incompatíveis, por conflituoso e anti-ético - e passou a dedicar-se a uma nova atividade, inicialmente como profissional liberal, depois como empregado em empresas. Surgiam as relações públicas profissionais - divulgação junto à imprensa de temas propostos pelas organizações em seu exclusivo interesse. Não paga aos veículos, a atividade de relações públicas (remunerada à base de honorários fixos) ganhou, na mídia, muito tempo depois, o apelido de ”free publicity”, ou mídia espontânea, numa tradução que os jornalistas brasileiros reprovam. 1906 é um marco porque data o primeiro “press release” emitido por Lee, “abrindo” a empresa aos jornalistas após um grande acidente ferroviário em Atlantic City. Em 1919 deixou o emprego na Pennsylvania Railroad e fundou sua própria empresa de consultoria de relações públicas, a Ivy Lee & Associates.

iiDe 1965 a 1967 os relações-públicas em exercício no Brasil registravam-se no Conselho Regional de Técnicos de Administração (CRTA). E de 1967 a 1969 cumpriu-se o prazo de dois anos para a concessão do registro profissional próprio (no Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas - Conrerp) aos que praticavam a atividade sem formação específica (concessão de provisionamento profissional). De 1970 em diante os relações-públicas profissionais serão apenas aqueles bacharéis em Comunicação Social com habilitação específica em Relações Públicas.

iii “Convergência é a palavra” (Intermezzo), in MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Relações Públicas e Marketing: convergências entre Comunicação e Administração. Rio de Janeiro, Conceito Editorial. 2008. P. 102.

ivNa década de 1970, as duas áreas estiveram confrontadas na realização da XI Conferência Interamericana de Relações Públicas (1973), quando a Delegação Brasileira apresentou uma tese do Prof. Caio Amaral com a sugestão de que o ensino de relações públicas fosse ministrado nas Escolas de Administração. O assunto era bastante controvertido, pois o Governo Brasileiro já havia decidido que o ensino de relações públicas ficaria inserido no âmbito da Comunicação Social, nos termos da Resolução 11, de 06/08/1969, após brilhante parecer do professor Celso Kelly, abrangendo também o ensino de Jornalismo, de Publicidade & Propaganda e de Editoração, estabelecendo a polivalência do diploma de Bacharel em Comunicação Social. “Convergência é a palavra” (Intermezzo), in MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Relações Públicas e Marketing: convergências entre Comunicação e Administração. Rio de Janeiro, Conceito Editorial. 2008. P. 101.

v Link para resenha: (http://revistaorganicom.org.br/sistema/index.php/organicom/article/download/219/319).

vi Autor, entre outras obras, de “Relações públicas na internet: técnicas e estratégicas para informar e influenciar públicos de interesse”. 2a. edição. São Paulo, Summus. 2009; “Propaganda institucional: usos e funções da propaganda em relações públicas”. 4a. edição. São Paulo, Summus. 2003; “O poder das marcas”. São Paulo, Summus. 1996.

viiAutor, entre outras obras, de “Relações Públicas: opção pelo cidadão”. Rio de Janeiro: Mauad, 2002; “Comunicação Organizacional: gestão de relações públicas”. Rio de Janeiro, Mauad. 2004 e "Jornalismo e Relações Públicas: ação e reação, uma perspectiva conciliatória possível (com Boanerges Lopes). Rio de Janeiro, Mauad. 2004.

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