terça-feira, 31 de julho de 2012

Memória histórica e influência da mídia - Análise do programa "O Maior Brasileiro"

Há uma expressão muito conhecida que afirma que "quem vive de passado é museu". Porém, todas as pessoas, ao longo do tempo, acumulam uma história que, se não se pode voltar, ao menos contribui para que se viva melhor e com mais responsabilidade o presente, além de se decidir melhor sobre o futuro.

Em consequência disso, as organizações nas quais essas pessoas trabalham também possuem uma história, que precisa ser resgatada para que os colaboradores entendam a importância da empresa num certo segmento ou período de tempo e para que o passado sirva (ou não) de exemplo para as futuras atitudes da empresa, como mostra Paulo Roberto Nassar de Oliveira, na sua tese de doutorado em Ciências da Comunicação pela USP Relações públicas e história empresarial no Brasil: estudo de uma nova abrangência para o campo das relações públicas (2006, p. 106-107):

"(...) os comportamentos, os símbolos, a identidade e a comunicação, o conjunto de elementos que formam a personalidade e a imagem de uma empresa ou instituição, são os grandes pilares da memória. E a memória é seletiva: ela selecionará as experiências (boas e ruins) que os inúmeros públicos têm com a organização, seus gestores, empregados, produtos e serviços. Este aspecto seletivo da memória tem uma conexão direta com o presente organizacional, que é expresso em questões bastante objetivas, colocadas diante e pelos inúmeros públicos e pela sociedade: como a organização lidou com as adversidades, com as pedras em seu caminho; como ela tratou os seus funcionários em tempos de “vacas magras”; como ela se relacionou com a comunidade; como a ela se comportou em relação ao desenvolvimento do país. A infinidade de perguntas possíveis sobre uma organização e os seus dirigentes expressa as realidades relacionais ou, ainda, a memória relacional da organização, sendo-nos possível afirmar que, em última instância, a história empresarial é a história de suas relações públicas."

Com a História de um país, o processo não é muito diferente pois, para que esta geração tivesse os mecanismos, as facilidades, as dificuldades e as conquistas que são vistas dia a dia, várias pessoas (do passado e do presente) contribuíram para o cenário brasileiro e algumas levaram o nome do Brasil para o mundo, pelos seus méritos.

Uma iniciativa para promover (ou, pelo menos, tentar resgatar) esta memória nacional, enumerando as personalidades que marcaram a história do país em seus mais de 500 anos de História, foi realizada pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), com base num formato de programa criado pela emissora britânica BBC e que já teve vencedores como: Winston Churchill na Inglaterra, Leonardo da Vinci na Itália, Nelson Mandela na África do Sul, Salvador Allende no Chile e Charles de Gaulle na França.

Titulado no Brasil com o nome de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos, o programa tinha o objetivo de mobilizar o país para eleger os nomes que foram (e são, em alguns casos) importantes para a História brasileira, por seus feitos, invenções, atitudes e caráter.

Segundo o próprio site da atração, houve uma primeira fase, em que internautas participaram de forma democrática, indicando o seu favorito livremente, sem nenhuma sugestão prévia. Era apenas colocar o nome completo, o CPF e a indicação da personalidade, que deveria ser brasileira nata ou naturalizada e que não podia ser ficcional nem pertencente ao elenco do SBT.

Ainda segundo o site, a resposta para a pergunta deveria ser algo pensado, não imediatista, e que abarcasse todo o período histórico do Brasil, e não somente os dias atuais. Quando se olha para esta afirmação, pode-se dizer que era uma previsão dos resultados que viriam ao final da primeira fase, em que foram listados os 100 maiores brasileiros de todos os tempos (pelo menos, na teoria).

Na lista de notáveis, produzida por mais de 1 milhão e 200 mil votos, ao menos 40% dos nomes aparecem na mídia tradicional*, ao menos, uma vez por semana (seja apresentando programas ou músicas, sendo notícia ou lembrados em algum veículo de comunicação).

Além disso, 49% dos escolhidos ainda estão vivos (o que contribui para uma maior mobilização de pessoas para votação), 34% pertencem à classe artística e 13% são atletas, sendo que somente dois nomes (Ayrton Senna - finalista sem posição definida ainda - e Anderson Silva, 90º colocado) não são jogadores de futebol.

Com a lista quase completa dos 100 indivíduos considerados os maiores brasileiros de todos os tempos (quase, porque uma pessoa escolhida está disputando as eleições deste ano e o seu nome só será divulgado depois de outubro), pode-se dizer que a memória de parte dos brasileiros que votaram foi influenciada pela mídia e por campanhas de fãs-clubes que se mobilizaram para inserir seus ídolos nesta lista, sem talvez entender que o objetivo maior deste programa era resgatar os nomes que fizeram história no Brasil por feitos relevantes para o país e, alguns, para o mundo.

E essa indignação por conta de alguns nomes na lista fica evidente quando se vê a fanpage oficial do programa no Facebook. Dentre os milhares de comentários deixados na página, muitos criticam a posição privilegiada de alguns atletas (como o jogador Neymar, que ficou à frente de Zico e Garrincha) políticos (como Fernando Collor de Melo) e cantores (como Joelma e Luan Santana), em detrimento de outras personalidades com mais referências históricas.

Em outras mídias, a lista dos 100 maiores brasileiros causou indignação e polêmica, retratadas em vários vídeos feitos por internautas. Talvez um dos de maior repercussão está no canal do ator e vlogueiro Felipe Neto, com mais de um milhão de acessos e mais de 26 mil comentários, a maioria deles elogiando o autor e também expressando a sua opinião acerca da lista.



O fato é que uma grande parte da população brasileira precisa se conscientizar acerca de nomes que realmente foram marcantes na história nacional e, assim como uma empresa precisa analisar vários fatores para inserir um dado histórico relevante em seus arquivos de memória, o brasileiro necessita votar, nesta e em qualquer outra eleição, não por imediatismo mas com clareza e responsabilidade com a memória e o patrimônio do país.

*Essa ressalva da mídia tradicional foi feita pois, na Internet, o nome de todos os finalistas é bem pesquisado e divulgado, por conta dos nichos aos quais pertencem/pertenciam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário