sexta-feira, 26 de abril de 2013

Valores e ética na publicidade - Hyundai e a tentativa de suicídio que quase matou sua imagem

Por Maíra Masiero

Nesta época contemporânea, os padrões éticos de propaganda e publicidade são cotidianamente discutidos, e não se torna raro observar casos de comerciais polêmicos neste sentido. Um dos grandes dilemas para os profissionais da área é como levar em consideração o Código de Ética da profissão, em conjunto com os seus valores e os da empresa, como mostram Maria Cecília Coutinho de Arruda, Adriana Uono e Juliano Allegrini no artigo Os padrões éticos da propaganda na América Latina (1996, p. 22):

"Tendo em vista a liberdade de que é dotado, por natureza, o ser humano, os códigos de ética, embora necessários para todas as carreiras, parecem não ser suficientes por si sós para orientar um publicitário na totalidade das circunstâncias e áreas com que se defronta. É imprescindível que ele domine o conhecimento de princípios básicos de ética sobre a natureza humana e sobre a vida comercial, constantemente refletindo sobre eles. Desta forma, reduzir-se-ão grandes incertezas na seleção de alternativas e serão discernidas com propriedade as decisões a seguir nos negócios.
(...)
Em face da frivolidade que permeia muitos ambientes onde se desenvolve a atividade publicitária, profissionais desta área já se propuseram a elaborar códigos de ética específicos para nortear seu comportamento. No entanto, por assumir o relativismo filosófico como base de seus conceitos fundamentais, não conseguiram atingir um consenso em um mínimo de princípios necessários.".

Utilizar a publicidade para mostrar situações polêmicas que podem afetar diretamente, e de modo negativo, muitas pessoas é um risco que precisa ser evitado, na medida do possível, pelas marcas e agências de comunicação.

Quem não teve este cuidado foi a Hyundai que, neste mês de abril, veiculou um comercial em que seu protagonista tentava tirar sua própria vida, com o auxílio da emissão de monóxido de carbono por uma mangueira entre o escapamento e a janela do carro, como seria numa tentativa de suicídio desta natureza. No final do comercial, é mostrada a tecnologia especial do carro, que emite apenas água na atmosfera e que deixa o homem sobreviver à tentativa de suicídio.

A seguir, está o vídeo da publicidade, que pode ser retirado a qualquer momento, pois, como será visto posteriormente, a repercussão foi tão negativa que a Hyundai pediu desculpas e afirmou que o vídeo seria removido, não sendo utilizado em nenhuma publicidade ou marketing da companhia.



Para que se tenha ideia da gravidade de se colocar um comercial desses no ar, a publicitária britânica Holly Brockwell escreveu, pelo seu blog pessoal, uma carta à agência que criou o filme para contar como se sentiu ao vê-lo, sendo que o pai dela se suicidou nas mesmas condições que o comercial mostra. Durante a carta, Holly lembra-se de momentos marcantes que viveria juntamente ao pai se não ocorresse o suicídio e ainda mostrou sua indignação para com o tratamento da marca àqueles que passam por situação semelhante: (trechos da carta com tradução nossa):

"(...) Lembrei-me de olhar para fora da janela para ver a polícia e ambulância, perguntando o que estava acontecendo. Lembro-me mãe me sentar para explicar que o papai tinha ido dormir e não seria acordar, e não, ele não seria capaz de me levar para a festa de aniversário do meu amigo na próxima semana. Não, ele não poderia voltar do céu apenas para aquele dia, mas ele gostaria, se pudesse. Lembro-me de descobrir que ele tinha morrido segurando o coelho de brinquedo macio da minha irmã no colo.
Surpreendentemente, quando cheguei à conclusão de seu vídeo, onde vemos que o homem, na verdade não morreu, graças a emissões limpas da Hyundai, eu não parava de chorar. Eu não repente sinto que minhas lágrimas foram justificados pela sua mensagem divertida. Eu me senti vazia. E doente. E eu queria meu pai.
(...) Por que eu tinha que ser lembrado do terrível momento... eu sabia que nunca ia ver meu pai novamente, e os momentos que ele não estava lá. Essa festa de aniversário. Dia de resultados. Graduação.
(...)
Então eu gostaria de pedir que da próxima vez que você quer dizer ao mundo sobre uma nova inovação no design do carro, você pensa nisso um pouco mais. Pense em mim. Pense sobre o meu pai. E os outros milhares de vítimas de suicídio e as famílias que deixaram para trás.
Meu pai nunca dirigiu um Hyundai. Graças a você, nem eu."


Com isso, pode-se perguntar: até que ponto pode uma publicidade explicitar situações constrangedoras ou delicadas, sem afetar diretamente o público-alvo? Será que, no caso da explicação das inovações do carro, teria outra forma menos polêmica de se expressar? E esse caso teve uma extrapolação no que diz respeito à ética? O debate está aberto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário