quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mobilização social ou jogada de marketing? - As (possíveis) facetas da Dança da Galera

Num contexto em que, por muitas vezes, os interesses individuais acabam se sobressaindo em relação à coletividade, algumas ações são feitas para tentar mudar esta realidade, provocando um envolvimento mais eficiente das pessoas, assim como uma participação mais efetiva da comunidade em assuntos relevantes para a sua manutenção. São as chamadas mobilizações sociais.

Mafra, Henriques & Braga (2004), citados por Rennan Mafra no artigo Relações Públicas e Mobilização Social: a construção estratégica de dimensões comunicativas (2007, p. 4), mostram uma das definições de mobilização social:

"a mobilização social é a reunião de sujeitos que definem objetivos e compartilham sentimentos, conhecimentos e responsabilidades para a transformação de uma dada realidade, movidos por um acordo em relação a determinada causa de interesse público."

Este mesmo artigo alerta para que não se confunda os significados de mobilização e de manifestação social, já que esse último visa somente à reunião de pessoas num certo local, realizando uma passeata ou concentradas, por exemplo, numa praça para uma ação específica. O estudo de caso a seguir é polêmico, no sentido de misturar (e até mesmo, confundir) estes dois conceitos num programa de televisão consolidado e vinculado, geralmente, às classes menos favorecidas, num horário de grande audiência, como o domingo à noite.

No domingo, dia 15 de abril, foi lançado um novo quadro no programa Domingão do Faustão, na Rede Globo. Com o nome de Dança da Galera, o quadro - que possui três episódios na primeira temporada - tem o objetivo de mostrar a mobilização de uma cidade (de até 100 mil habitantes) para ajudar projetos coordenados pelas Pastorais da Criança locais, por meio da apresentação de grandes coreografias feitas por milhares de voluntários locais, auxiliados por coreógrafos especializados e por duas celebridades (Daniele Suzuki e Joaquim Lopes) que ajudam na mobilização.

A cada programa, duas cidades se enfrentam e, pela votação da platéia presente no estúdio e dos telespectadores (através do telefone, SMS e Internet), a vencedora ganha R$ 100 mil para aplicar nos projetos e o segundo lugar, R$ 25 mil.

No primeiro dia, as cidades de Aracati (Ceará) e Diamantina (Minas Gerais) foram as escolhidas para participar, e o município nordestino venceu a votação popular, apresentando uma coreografia para a música "Pedras que Cantam", interpretada por Fagner, como visto a seguir. Segundo matéria no site do programa, foram 1.350 pessoas que representaram os 69.159 habitantes da cidade.



Além de toda a repercussão do quadro no Twitter, em que palavras relacionadas com o programa ficaram entre os assuntos mais comentados no microblog, a produção do Faustão investiu em iniciativas para a Internet, em sintonia com as mídias sociais. É de se notar que a página oficial do programa no Facebook foi criada no dia 14 de março deste ano, com um certo atraso em relação a outras atrações.

Um exemplo está num aplicativo criado para o Facebook, em que se simula a formação de palavras formadas por milhares de pessoas juntas. Iniciando a interação, a pessoa arrasta as letras e os acentos que desejar para um espaço vazio e, quando terminar, pode salvar a imagem e compartilhar com os amigos na rede social.

O que fica nesta descrição é tentar entender qual seria a intenção genuína do quadro: (1) mostrar verdadeiramente a mobilização social de uma cidade em prol de um projeto específico, (2) promover uma "jogada de marketing" para as marcas envolvidas no patrocínio do quadro, (3) demonstrar uma espécie de manifestação social ou, até mesmo, (4) ter uma ligação com a realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 - em relação á integração nacional, ao protagonismo do cidadão?

O colunista do UOL Maurício Stycer, em artigo publicado em seu blog sobre o quadro, tem uma sugestão de como classificar o Dança da Galera: "Competição? Entretenimento? “Dança da Galera” se mostrou, sem muita sutileza, um esforço de relações públicas [grifo nosso] da Globo. Só faltou Faustão dizer: “Estamos juntos, galera!”" Com isso, fica outra pergunta a ser respondida: esta ação do Domingão do Faustão pode ser realmente considerada como uma ação de Relações Públicas?

Para tentar responder à primeira questão, um dado interessante está num comentário dado ao vídeo posto neste estudo de caso, que mostra, de forma alegórica, a diferença entre se fazer uma manifestação e mobilizar a sociedade para um objetivo comum. Ele diz o seguinte:

"Sabado dia 21 haverá mais uma audiencia pública na casa da camara, organizado pela OAB para tentar resolver o prblema dafalta de juizes de direito em Aracati, já vamos para quase um ano e sabemos o tamanho do estrago pela falta de uma justiça justa, quanto mais morosa. Queria ver se pelo menos 10 % da população que se 'engajou' na dança justificada pelo premio de R$ 100.000,00 "tudo pelo social" se estarão presentes no próximo encontro"

De fato, é necessário se precaver com estas situações, pois o programa passa, o grande acontecimento da cidade passa, mas permanecem os problemas sociais, as dificuldades financeiras, os contratempos políticos. Por isso,  Márcio Simeone Henriques, no artigo Comunicação, comunidades e os desafios da mobilização social (2005, p. 12) mostra que a mobilização social, de fato, precisa ter uma

"contínua formulação estratégica de ações de comunicação que sejam capazes de sustentar uma legitimidade pública (...), como também de sustentar os vínculos de confiança que mantêm a cooperação, que depende de uma capacidade de realimentar continuamente o debate público e reforçar os laços de identificação e de pertencimento dos sujeitos mobilizados."

Em relação à segunda pergunta, no artigo já citado de Mafra, o autor define que o trabalho de Relações Públicas oferece a esta prática de mobilização "um olhar para os sujeitos, vislumbrando-os não como grande massa, mas como públicos diferentes, compreendidos a partir de características e demandas próprias, grupos real e potencialmente capazes de estabelecer, junto a uma bandeira coletiva, processos de pertencimento a uma causa mobilizadora." (2007, p. 3).

Será que a visão da produção foi realmente buscar a diferenciação dos públicos, a história de cada um, ou foi só relacionada a dança artística ao número total de integrantes? Que o debate possa continuar.

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