segunda-feira, 4 de julho de 2011

Festas juninas no Brasil: manutenção da tradição x influência midiática - Festa de São João em Bocaina

Como já foi dito numa das últimas postagens deste blog, há um verdadeiro debate acerca de como a influência de elementos da Indústria Cultural pode ajudar na manutenção ou na destruição de tradições culturais centenárias, especialmente as relacionadas com o período das Festas Juninas. Um exemplo de como esta linha tênue ocorre aconteceu no último mês de junho, na cidade de Bocaina, interior de São Paulo.
Para comemorar a festa do padroeiro da cidade, São João Batista, há mais de um século, é feita uma grande fogueira em frente à Igreja Matriz, que representa uma tradição católica: Santa Isabel combinou com Maria que, quando seu filho João Batista nascesse, iria acender uma fogueira para marcar este momento.

Em Bocaina, quando o relógio marca meia-noite do dia 24 de junho, após a benção proferida pelo sacerdote, fiéis devotos do santo passam descalços sobre o braseiro da fogueira, para demonstrar a sua fé ou para fazerem/cumprirem promessas, e garantem que não se queimam ao atravessar este "tapete" de brasas. Algumas pessoas, no entanto, passam sem a devida preparação (física e espiritual) para se aparecer perante as câmeras ou quando estão alterados pela bebida ou por outros fatores: nesses casos, é mais comum ver pessoas queimando os pés e indo, posteriormente, à Santa Casa. Nos mais de cem anos de tradição, não se tem notícia de nenhum ano em que ninguém passou pela fogueira.

Esta festa se tornou uma das mais tradicionais Festas Juninas do interior paulista, sendo divulgada em todas as afiliadas locais de emissoras como Rede Globo, SBT e Rede Record. Houve até uma tímida (em relação ao horário de exibição, que ocorreu na madrugada) projeção nacional no ano de 2009, com a exibição de uma matéria feita pelo repórter Rodrigo Leitão no programa A Noite é uma Criança, na TV Bandeirantes. Essa matéria ressaltou as tradições da festa, mostrando a procissão do mastro, a Missa e a passagem dos fiéis pelas brasas.



Porém, uma grande oportunidade de exposição das tradições surgiu neste ano de 2011, com a vinda de uma gravação do programa Pânico na TV!, da RedeTV! O quadro escolhido para ilustrar a chegada da equipe até Bocaina foi o do personagem Christian Pior, chamado A Glamurosa Vida da Classe C, em que são mostradas festas e costumes de cidades simples e pequenas do Brasil. Com muita ironia e demasiado uso de sarcasmo, Pior, representante alegórico de uma classe com maior poder aquisitivo, visita as cidades e interage com seus habitantes. A matéria em Bocaina foi gravada no dia 23 de junho e exibida no dia 03 de julho, e está disponível para visualização a seguir.



Já no começo do vídeo, há um detalhe que chama a atenção e que se repete por toda a matéria: não se cita, em nenhum momento, o nome da cidade; somente há referências ao que diz respeito a "interior de São Paulo". Além disso, a passagem dos fiéis pela brasa é comparada a um "esporte radical da classe C", pelo perigo exposto ao se passar pela fogueira.

Depois dessa introdução, Pior começa a entrevistar algumas pessoas, dentre elas os homens responsáveis pela organização da fogueira - que garantem a ausência de prêmios para quem passa, outros com nomes estranhos (acompanhados por vídeos de batidas de carro), um professor de musculação fora dos "padrões estéticos", algumas meninas que começam a assediá-lo e não enxergam a etiqueta de grife da roupa do personagem, outras pessoas que se aglomeram em frente à fogueira esperando a passagem dos fiéis.

Com isso, Pior ainda reclama de como as pessoas gritam, como se tivesse jogado milhares de baratas em cima delas e mostra a chamada "Juju da classe C". Nem o padre da paróquia escapou das perguntas ácidas e intertextuais de Pior, relacionando "latim" com "latindo", e tentando convencê-lo a converter a Rua Augusta. Depois, a matéria mostra o personagem subindo no palco, sem mostrar os cantores que estavam se apresentando por lá.

Apenas na segunda metade da matéria de oito minutos é que se mostra as pessoas que passaram pela fogueira, e uma pergunta que se repetiu a vários deles era se tinham plano de saúde, como se aquele gesto pudesse provocar alguma consequência, e ainda houve a comparação com o feito de Dani Bolina, que conseguiu andar sobre as águas num espaço específico por certo período de tempo. Por fim, Pior não tem coragem de passar na fogueira e entrevista as pessoas que atravessaram os braseiros.

O mais intrigante nesta reportagem é que a conotação religiosa é deixada totalmente de lado, assim como o cuidado em mencionar o nome da cidade (como já foi visto anteriormente) e de se contar a história desta tradição aos telespectadores. Com esses fatores, a pergunta fica: a exposição de tradições culturais na mídia pode ajudar ou atrapalhar a sua perpetuação para as gerações futuras? Como a mídia pode ser usada para contribuir para a preservação histórica de uma tradição, não esteriotipando-a perante a sociedade?

Nenhum comentário:

Postar um comentário