sexta-feira, 1 de junho de 2012

Peugeot e o "jeitinho brasileiro" de levar vantagem

Popularmente, diz-se que o brasileiro tem uma forma diferenciada de resolver os problemas ou, ainda, de levar vantagem e conseguir benefícios por meio da camaradagem, da cordialidade. Também existe aquela célebre frase "você sabe com quem está falando?", que revela uma valorização do status individual e da sensação de se ter direitos especiais sobre os outros.

O tal "jeitinho brasileiro" já foi estudado por muitos cientistas e pesquisadores como uma das grandes características do povo nacional. Mas, afinal, o que significaria este jeitinho para os moldes acadêmicos? Quem explica é Fernando C. Prestes Motta e Rafael Alcadipani, no artigo Jeitinho brasileiro, controle social e competição (1999, p. 9):

"O jeitinho se dá quando a determinação que impossibilitaria ou dificultaria a ação pretendida por uma dada pessoa é reinterpretada pelo responsável por seu cumprimento, que passa a priorizar a peculiaridade da situação e permite o não-cumprimento da determinação, fazendo assim com que a pessoa atinja seu objetivo.
Quando o jeitinho ocorre, aquele que o concede considera a situação particular que lhe foi apresentada como mais importante do que a determinação que deveria ser genérica e, dessa forma, reinterpreta a validade da determinação universal e prioriza o caso específico, ou seja, o pessoal passa a ser mais importante que o universal."


Mas o que se pode perguntar, nesse momento, é: o que isso tem a ver com as ações comunicacionais de uma empresa? Dois fatores: primeiramente, a cultura organizacional brasileira agrega, de forma maior ou menor, os atributos culturais passados de gerações em gerações. Em segundo lugar, a mídia também pode contrbuir, positiva ou negativamente, para a afirmação destes costumes e, por consequência, deste "jeitinho brasileiro" de resolver as situações.

Recentemente, dois comerciais da marca de automóveis Peugeot foram responsáveis por exemplificar algumas facetas desta cordialidade do povo brasileiro, do "jeitinho" utilizado para se conseguir os favores e os benefícios, mesmo que se precise passar por cima de pessoas ou de certos valores.

Num primeiro comercial, o estagiário é convidado por dois outros colaboradores a abrir as portas do estabelecimento para os clientes entrarem. Porém, quando ele faz isso, se depara com muitos consumidores, que quase o esmagam, entrando ao mesmo tempo na concessionária. Com o ocorrido, os outros personagens ainda zombam do novato, dando uma entonação irônica à palavra "estagiário" e ainda saindo para almoçar, enquanto ele está deitado no chão.



Houve a sensação, de acordo com os valores atribuídos no comercial, de que a empresa trataria assim a todos os seus estagiários e, se não, pelo menos, compactuaria com as ideias passadas pela agência responsável pela execução do comercial. Várias instituições fizeram notas de repúdio à propaganda, como a Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) e a CUT. Segundo o colunista Lauro Jardim, da Veja on-line, a propaganda foi suspensa pelo Conar após atingir 108 reclamações.

Com a repercussão negativa do comercial (nas mídias sociais e nos comentários feitos nos vídeos), a Peugeot tentou consertar a falha na abordagem promovendo outro comercial, a fim de tentar inserir o estagiário numa situação favorável. Porém, o erro foi abordar negativamente o preconceito contra os idosos, quando o estagiário, para querer agradar a uma jovem mais bonita fisicamente e com mais atributos - de certa forma - favoráveis a ele, acaba menosprezando o atendimento a uma pessoa mais velha.



É necessário, portanto, entender que o "jeitinho brasileiro" agrega duas leituras: ou de uma postura conformista de convivência ou de uma forma de sobreviver ao cotidiano (resistência). Muitas vezes, a primeira visão é mais usada, principalmente nestes comerciais da Peugeot, em que o estereótipo de "estagiário faz-tudo" e uma demonstração do preconceito contra os idosos foram frequentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário